quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

CONTO: O CURIBOCA E A CUMBUCA- VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES (BRASIL)



Foto: Vanda Lúcia da Costa Salles




O CURIBOCA E A CUMBUCA






O caraxué cantou no laranjal espremido por entre as folhas esconderijos. O curiboca foge de si mesmo. Colocara a mão em cumbuca e não sabia como sair.
A lenda narra que amarrou a liana aos pés e pulou o abismo. Evolou-se. No litigo bateu e o élan do corpo evaporou-se. Vergonha foi da insídia cometida. Deixou cair o escudo tribal.
Todos sabiam na tribo que seria assim. Estava escrito. Sua conduta exorbitante, sempre fora exercício de exibição e desgosto para a pequena indígena que o criara com profundo e infinito amor.
O escudo ficara entrincheirado entre as pedras. No alto, da Serra Barriga. Um tempo viria em que o Outro descobriria o segredo. Se segredo houvesse. Mas vovó Cambinda, calma esperava o curiboca e o seu amigo albino, confiante no sorriso do neto que a levaria aos parentes mais próximos, além mar. Viveria na América, sim senhor!
Estúpido preparara a armadilha para a anciã que sorria, aguardando o presente anunciado. O que ela não sabia era que ele a vendera ao branco albino, que se aproximava, remando lento, em sua velha canoa.

domingo, 1 de janeiro de 2012

CONTO: MINHA ESPERANÇA- DAVID RIBEIRO (BRASIL)










DAVID PRADO RIBEIRO(BRASIL)



MINHA ESPERANÇA


Meu nome é Carlos Duarte, médico cirurgião e ortopedista graduado em 2007, pela Universidade de Medicina do Rio de Janeiro, embora tenha muitos anos de carreira, me surpreendi no ano de 2010, quando numa noite chuvosa, passando rapidamente de carro por um atalho nas ruelas de Santo Amaro, avistei um saco azul de mercado com um durex enrolado e apenas alguma coisa se mexendo dentro dele. Aproximei-me e com receio abri o saco e por incrível que pareça era uma criança com má formação em seus dois membros inferiores. Apesar do isolamento, havia um casebre ao longe, com a luz acesa e a porta aberta, sem nem pensar corri até a porta e vi um casal de senhores, sentados, assistindo à novela. E então exclamei:
- Me ajudem a salvar esta criança!
Sem entender muito bem, responderam:
- Sim, nós o ajudamos.
Então levamos a criança e a secamos, ela ainda possuía o cordão umbilical. Fiz os primeiros socorros e a levei às pressas para o hospital em que trabalhava. Lá chegando, todos os médicos se comoveram com a história da criança e a colocaram fora de perigo. Demos a ela o nome de Esperança.
Mesmo sendo recém-nascida, Esperança estava esquecida no hospital. Nenhum casal se interessava em adotá-la e eu já estava ficando muito triste com a situação. Então decidi fazer um teste, criei uma mini prótese para imitar suas pernas e coloquei um lençol até sua cintura. Todos os casais que foram ao hospital naquele dia se interessaram por Esperança.
No dia seguinte retirei as mini próteses e o lençol, e convidei os casais para uma segunda visita e todos os casais desistiram da adoção. Fui para casa indignado, pensando como é possível haver pessoas tão preconceituosas em nosso cotidiano. Daí, perguntei a mim mesmo em alta voz:
- Será que somente eu consigo ver a essência no olhar de Esperança e não a ausência de suas pernas? E tendo ouvido isso minha esposa respondeu-me que “ ela não podendo dar-me um filho, Deus colocou essa criança em nosso caminho. Portanto, deveríamos adotá-la!” – E eu muito feliz respondi-lhe:
- É isso mesmo, amanhã irei entrar com o pedido de adoção.

Chegando ao hospital, fui ao berçário e levei um enorme susto. Esperança não estava lá, então, perguntei à primeira enfermeira que avistei:
- Onde está Esperança? - E ela respondeu-me:
- Doutor, ela passou mal à noite e foi levada ao CTI!
Sem noção nenhuma do que estava acontecendo, corri em direção à porta do CTI, ali, avistei Esperança na cama, já bem melhor, quando me avistou, sorriu e naquele momento eu tive a certeza de que ela me queria como pai.
Depois de meses resolvendo as burocracias da adoção, ela veio para casa, Sofia, minha esposa, era só felicidade. Esse foi um dos momentos mais lindos e felizes das nossas vidas.
Passado algum tempo tendo Esperança 12 anos, as dificuldades só aumentavam e o preconceito também, no ônibus, na rua, no shopping, em restaurantes, sempre havia alguma manifestação preconceituosa e o conjunto desses fatores fez com que Esperança tentasse suicídio. Felizmente ela se recuperou, após ser atendida às pressas.
Após sair de risco de vida, fui visitá-la e quando entrei no quarto e avistei seu rosto, ela sorriu para mim e ao mesmo tempo lembrei-me daquele olhar de menininha, a mesma, que era exemplo de superação em 2010, naquele momento precisava do meu conselho de pai. Então disse-lhe:
- Filha, não se preocupe com o que as pessoas pensam de você, porque você não é pior que elas e tem que saber disso. Desde o primeiro dia de vida és uma sobrevivente, hoje tenta acabar com sua vida? – Com a cabeça baixa ela respondeu:
- Pai, me desculpe por tudo, quero que saiba que sou muito grata pelo que fez por mim!
De lá para cá, Esperança foi muito feliz, pois entendeu que a essência dela estava em seu coração e não, nas pernas que lhe faltavam. Hoje, passado oito anos, estamos muito felizes e vivendo muito bem. Ah! Já ia me esquecendo, tenho que ir, pois estou atrasado para um casamento. O casamento da minha filha: ESPERANÇA!