UM LOBISOMEM EM ITALVA
Contava papai que um homem, em Italva, vai a Cachoeira do
Caboclo, encontra um bau de moedas de ouro espanhol, volta para a sua cabana,
três meses depois é encontrado morto . “Como?”
“O que acontecera?” Senhores,
senhoras, vos conto: Tchecov ( aquele
escritor russo com mania de fluxo da consciência e que tinha a literatura como
sua amante) diz que uma história visível esconde uma história
secreta, portanto saibam que esta também possui e é uma história secreta.
Aliás, secretíssima, segundo os italvenses e papai.
No bulício da manhã, na rua Cel. Luis
Salles, Targino- o turco-, caminhava em
direção a Câmara Municipal da cidade para assumir o seu posto de
vigilante, quando ouviu às suas costas o
ploc-ploc inusitado de saltos altos
vermelhos daquela esplendorosa loura em
seu corpo violino sob um vestido azul transparente e enlouquecedor. Tropeçou.
Engasgou. Cuspiu, sem querer. Sorriu timidamente como se fora um adolescente,
segurou um pum e quis fugir, não necessariamente nessa ordem. E não sabia o
porquê cargas d’água, sua mente fincou pensar no morador das imediações da
Cachoeira do Caboclo que todos na cidade, principalmente os mais velhos, diziam
ser um LOBISOMEM.
A
loura em seu vestido azul transparente passou por ele chiquérrima e
educadamente disse:
- Bom dia!!!
Tolamente, ouviu sua voz respondê-la:
- Vai com Deus! -. E desconcertado teve
tempo de vê-la virar o pescoço e olhá-lo firme e sagaz, com maravilhosos olhos
verdes, e por tudo que é mais sagrado no ser, jurava que em cada pupila havia
um traço marrom vertical, igualzinho aos gatos moriscos. “Quem seria a gata?”
“Seria parente do tal morto, o das tais desaparecida moedas de ouro que tanta
gente do munícipe ansiava encontrar?” “Não parecia perigosa, sim desejável.” E na insanidade célere do pensamento e
transformação retardada da palavra, ouviu-se dizer ainda: “Bom dia!” A loura
seguiu o seu caminho e virou a esquina.
A rua aquela manhã parecia como as de
sempre, os transeuntes passavam e alguns adolescentes em algazarras, em direção
ao Coleginho. Algumas lojas abertas, outras a abrir, escancarando os seus
mostruários. Jorge, o carpinteiro e amolador de ferramentas e facas e alicates
passou pedalando fortemente a sua velha bicicleta em direção a Rua Portela Salles,
com o intuito de ganhar a Ponte em um só lance de pedalada. Ele vivia apostando
consigo mesmo vencer os minutos empregados. Quando sorria, ganhava. Ainda teve
tempo de lhe dizer e ouvir em resposta:
- Às cinco e meia, no bar do Zozó! Urgência de fala, vai longe pocar ?
- Prego, tô indo lá pras bandas da
Cachoeira, na casa do Seu Militão amolar as ferramentas e arados. Vai pocá
outro!
Sorrindo de gosto, Targino apressou os
passos e adentrou afoito na Câmara Municipal. Bateu o ponto e calmamente
fixou-se em seu posto. Quase as cinco em
ponto, Haroldo- o secretário do Edil Marcelinho-, lhe entregou tudo tim-tim por tim-tim.
Chamava-se Iona Antonescu e vivia próxima
a “Caverna com ossos”, na antiga ruína da roda do Caboclo. Diziam possuir
licantropia ( do grego “lycos”, significando “lobo”; e “anthropos”,
significando “homem”), e segundo o nosso psiquiatra de plantão “ a crença de
que era uma fêmea lobisomem”. O que ela deseja é poder, o poder local. Há quem
diga que possui desejos sexuais reprimidos. E que na primeira lua cheia, zup!,
transforma-se em uma Lobisomem.
Entretanto, para mim, ela é a vampiresca de Manaus. Veja! -. Dissera
Haroldo: “essa mulher é altíssima, tem mais de 1.97 cm, claríssima, de uma
brancura singular, olhos felinos ( você viu, não viu?). Avermelhadas pupilas (
note bem!), cabelos louros dourados, dentes arreganhados, limados e afiados. O
seu jeito de caminhar mais parece um animal buscando uma presa.
- É, mas o que ela veio mesmo é
descobrir quem matou o seu irmão. O tal morto das moedas de ouro espanhol era
irmão da tal. – Entrou na conversa, contando o que faltava, o Miguelzinho, do
Tino, com sua enorme cabeleira empastelada de gloss.
- E você, espião duma figa, o que faz
aqui assuntando o papo, heim? – Indagou-me o Quinzinho, do Tavo.
-
Sei não, gente, essa história ainda dará caldo!- Disse, afastando-me de tudo e
de todos.
Papai dissera ser tudo besteira. Que o tal
lobisomem havia porque, certa vez,
espancara de tal forma sua velha mãe, que esta o amaldiçoara,
rogando-lhe uma praga, que na primeira lua cheia se transformaria em um bicho
peludo. Dito e feito. Na primeira lua cheia, aparecera em Italva, esse primeiro
e único lobisomem, isso nos idos de 1910, e, atacava os galinheiros
estraçalhando o pescoço das galinhas, assustando o gado no pasto, encurralando
e chimbicando as mulheres todas, até que a dona Mariquinha- a viúva-, com sua
carabina de balas de prata escarfundou o peito do talzinho lobisomem italvense
com um balaço só. Daquele dia em diante, nada de lobisomem na cidade. Somente
no imaginário dos velhos e das crianças, disse-me ele, enquanto o via contando
inúmeras moedas de ouro, limpá-las uma a uma com um flanela para depois
coloca-las em um velho bau de madeira com um indescritível brasão
espanhol. Por via das dúvidas, indaguei
a ele e sai de fininho:
-
Pai, aquela bala de prata na cumieira que o senhor retirou do peito,
como foi mesmo que se sucedeu?
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