DENTRO DE NÓS
Vanda Lúcia
da Costa Salles
Em momentos que
a mente acaricia, sei que vives, com esse ar de Dama antiga e dissimulada
porque sabes que a saudade brota gerânios, tulipas e hortelãs. Como grapete, nomeada era e os netos vinham saber
dos causos e namoricos de adolescentes. E ficávamos sorrisos largos, a retirar
os cabinhos das pimentas malaguetas ou a formar, peça a peça, a beleza de um
fuxico.
De certo que a
dúvida nunca adentrava o afã do peito amante, dançando um samba ou um cateretê.
Então, dizias, em tardes de veranico, " a maresia entorna o caldo do pirão
de carapeba, moreno, prepara a lenha que o fogo já nos convida". E toda
faceira, alisava os lençóis.
Um, dois, três,
quatro, cinco, seis filhos seus e mais três de quebra no angu do tacho, criados
com tapioca, violão e rede. " Neném que o diga, Josias nada sabe do clarão
da Lua quando a noite brilhava encanto. Vanda, tão bom seria se tivéssemos um
tapete voador, não?" Imaginar nem era preciso, sabíamos que do sonho era a
vantagem do guia. Seguíamos pegadas.
Pintora fosse, falou um dia, chuva caindo
fininha como agulha perdida na cegueira do olhar, " eu pintava a flor,
delicada flor, e enfeitava a casa de Seu João Aleijadinho. O pobre, mal
consegue respirar, mas também uma solidão tão torta, que nem cal as paredes
aceitam. Coitado, diz caminhar nas horas." Ouvido atento, dentro de nós, a
admiração se expandia como pé de samambaia ou cortadeira chorona. Ah! Senhora de toda a nossa vida e matriz de mim,
como sufocar a ausência que deixaste nessa casa com portão verde floresta e uma
biblioteca comunitária num desejo todo próprio do projeto firmar?
Num cavalinho
branco que penso ser o unicórnio azul de teus sonhos de menina ( o qual,
contastes oras a fio, enovelando as nossas cabeças fantasiadas de colombinas,
em uma noite de Carnaval passado em
Balneário de São Pedro D'Aldeia), partistes, como quem parte desejando
boa-noite e no dia seguinte viesse convidativa para um banho de mar, nas Dunas
ou no Farol.
Às vezes, ao
ler sobre o Egito Antigo ou O Alienista,
de Machado de Assis, creio vê-la ao meu lado, tão dentro de nós, em sorriso de
coqueteria, " ainda serás, uma grande, mais grande professora e eu,
apenas a mãe".
Chamava-se
Maria Amaral Ferreira, neta do Capitão Costa, filha de Olívia da Costa Amaral,
e amava poesia.
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