sábado, 12 de março de 2016

UM LOBISOMEM EM ITALVA-VANDA LUCIA DA COSTA SALLES








UM LOBISOMEM  EM ITALVA

                                                            
       Contava papai que  um homem, em Italva, vai a Cachoeira do Caboclo, encontra um bau de moedas de ouro espanhol, volta para a sua cabana, três meses depois é encontrado morto . “Como?”  “O que acontecera?”  Senhores, senhoras, vos conto:  Tchecov ( aquele escritor russo com mania de fluxo da consciência e que tinha a literatura como sua  amante) diz que  uma história visível esconde uma história secreta, portanto saibam que esta também possui e é uma história secreta. Aliás, secretíssima, segundo os italvenses e papai.
         No bulício da manhã, na rua Cel. Luis Salles, Targino- o turco-,  caminhava em direção a Câmara Municipal da cidade para assumir o seu posto de vigilante,  quando ouviu às suas costas o ploc-ploc inusitado de  saltos altos vermelhos daquela esplendorosa  loura em seu corpo violino sob um vestido azul transparente e enlouquecedor. Tropeçou. Engasgou. Cuspiu, sem querer. Sorriu timidamente como se fora um adolescente, segurou um pum e quis fugir, não necessariamente nessa ordem. E não sabia o porquê cargas d’água, sua mente fincou pensar no morador das imediações da Cachoeira do Caboclo que todos na cidade, principalmente os mais velhos, diziam ser um LOBISOMEM. 
        A loura em seu vestido azul transparente passou por ele chiquérrima e educadamente disse:
        - Bom dia!!!
        Tolamente, ouviu sua voz respondê-la:
        - Vai com Deus! -. E desconcertado teve tempo de vê-la virar o pescoço e olhá-lo firme e sagaz, com maravilhosos olhos verdes, e por tudo que é mais sagrado no ser, jurava que em cada pupila havia um traço marrom vertical, igualzinho aos gatos moriscos. “Quem seria a gata?” “Seria parente do tal morto, o das tais desaparecida moedas de ouro que tanta gente do munícipe ansiava encontrar?” “Não parecia perigosa, sim desejável.”  E na insanidade célere do pensamento e transformação retardada da palavra, ouviu-se dizer ainda: “Bom dia!” A loura seguiu o seu caminho e virou a esquina.
        A rua aquela manhã parecia como as de sempre, os transeuntes passavam e alguns adolescentes em algazarras, em direção ao Coleginho. Algumas lojas abertas, outras a abrir, escancarando os seus mostruários. Jorge, o carpinteiro e amolador de ferramentas e facas e alicates passou pedalando fortemente a sua velha bicicleta em direção a Rua Portela Salles, com o intuito de ganhar a Ponte em um só lance de pedalada. Ele vivia apostando consigo mesmo vencer os minutos empregados. Quando sorria, ganhava. Ainda teve tempo de lhe dizer e ouvir em resposta:
      - Às cinco e meia, no bar do Zozó!  Urgência de fala, vai  longe pocar ?
      - Prego, tô indo lá pras bandas da Cachoeira, na casa do Seu Militão amolar as ferramentas e arados. Vai pocá outro! 
       Sorrindo de gosto, Targino apressou os passos e adentrou afoito na Câmara Municipal. Bateu o ponto e calmamente fixou-se em seu posto. Quase as  cinco em ponto, Haroldo- o secretário do Edil Marcelinho-,  lhe entregou tudo tim-tim por tim-tim.
      Chamava-se Iona Antonescu e vivia próxima a “Caverna com ossos”, na antiga ruína da roda do Caboclo. Diziam possuir licantropia ( do grego “lycos”, significando “lobo”; e “anthropos”, significando “homem”), e segundo o nosso psiquiatra de plantão “ a crença de que era uma fêmea lobisomem”. O que ela deseja é poder, o poder local. Há quem diga que possui desejos sexuais reprimidos. E que na primeira lua cheia, zup!, transforma-se em uma Lobisomem.  Entretanto, para mim,  ela é  a vampiresca de Manaus. Veja! -. Dissera Haroldo: “essa mulher é altíssima, tem mais de 1.97 cm, claríssima, de uma brancura singular, olhos felinos ( você viu, não viu?). Avermelhadas pupilas ( note bem!), cabelos louros dourados, dentes arreganhados, limados e afiados. O seu jeito de caminhar mais parece um animal buscando uma presa.
       - É, mas o que ela veio mesmo é descobrir quem matou o seu irmão. O tal morto das moedas de ouro espanhol era irmão da tal. – Entrou na conversa, contando o que faltava, o Miguelzinho, do Tino, com sua enorme cabeleira empastelada de gloss.
       - E você, espião duma figa, o que faz aqui assuntando o papo, heim? – Indagou-me o Quinzinho, do Tavo.
       - Sei não, gente, essa história ainda dará caldo!- Disse, afastando-me de tudo e de todos.
       Papai dissera ser tudo besteira. Que o tal lobisomem havia porque, certa vez,  espancara de tal forma sua velha mãe, que esta o amaldiçoara, rogando-lhe uma praga, que na primeira lua cheia se transformaria em um bicho peludo. Dito e feito. Na primeira lua cheia, aparecera em Italva, esse primeiro e único lobisomem, isso nos idos de 1910, e, atacava os galinheiros estraçalhando o pescoço das galinhas, assustando o gado no pasto, encurralando e chimbicando as mulheres todas, até que a dona Mariquinha- a viúva-, com sua carabina de balas de prata escarfundou o peito do talzinho lobisomem italvense com um balaço só. Daquele dia em diante, nada de lobisomem na cidade. Somente no imaginário dos velhos e das crianças, disse-me ele, enquanto o via contando inúmeras moedas de ouro, limpá-las uma a uma com um flanela para depois coloca-las em um velho bau de madeira com um indescritível brasão espanhol.   Por via das dúvidas, indaguei a ele e  sai de fininho:

         -  Pai, aquela bala de prata na cumieira que o senhor retirou do peito, como foi mesmo que se sucedeu?