quarta-feira, 27 de julho de 2016

CRÔNICA: DENTRO DE NÓS - VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES




DENTRO DE NÓS



                                  Vanda Lúcia da Costa Salles




      Em momentos que a mente acaricia, sei que vives, com esse ar de Dama antiga e dissimulada porque sabes que a saudade brota gerânios, tulipas e hortelãs. Como  grapete, nomeada era e os netos vinham saber dos causos e namoricos de adolescentes. E ficávamos sorrisos largos, a retirar os cabinhos das pimentas malaguetas ou a formar, peça a peça, a beleza de um fuxico.
      De certo que a dúvida nunca adentrava o afã do peito amante, dançando um samba ou um cateretê. Então, dizias, em tardes de veranico, " a maresia entorna o caldo do pirão de carapeba, moreno, prepara a lenha que o fogo já nos convida". E toda faceira, alisava os lençóis.
      Um, dois, três, quatro, cinco, seis filhos seus e mais três de quebra no angu do tacho, criados com tapioca, violão e rede. " Neném que o diga, Josias nada sabe do clarão da Lua quando a noite brilhava encanto. Vanda, tão bom seria se tivéssemos um tapete voador, não?" Imaginar nem era preciso, sabíamos que do sonho era a vantagem do guia. Seguíamos pegadas.
       Pintora fosse, falou um dia, chuva caindo fininha como agulha perdida na cegueira do olhar, " eu pintava a flor, delicada flor, e enfeitava a casa de Seu João Aleijadinho. O pobre, mal consegue respirar, mas também uma solidão tão torta, que nem cal as paredes aceitam. Coitado, diz caminhar nas horas." Ouvido atento, dentro de nós, a admiração se expandia como pé de samambaia ou cortadeira chorona. Ah!  Senhora de toda a nossa vida e matriz de mim, como sufocar a ausência que deixaste nessa casa com portão verde floresta e uma biblioteca comunitária num desejo todo próprio do projeto firmar?
       Num cavalinho branco que penso ser o unicórnio azul de teus sonhos de menina ( o qual, contastes oras a fio, enovelando as nossas cabeças fantasiadas de colombinas, em uma noite de Carnaval  passado em Balneário de São Pedro D'Aldeia), partistes, como quem parte desejando boa-noite e no dia seguinte viesse convidativa para um banho de mar, nas Dunas ou no Farol.
       Às vezes, ao ler sobre o Egito Antigo ou  O Alienista, de Machado de Assis, creio vê-la ao meu lado, tão dentro de nós, em sorriso de coqueteria, " ainda serás, uma grande, mais grande professora e eu, apenas  a mãe".
       Chamava-se Maria Amaral Ferreira, neta do Capitão Costa, filha de Olívia da Costa Amaral, e amava poesia.