domingo, 4 de julho de 2010

GENTILEZA É “AMORRR”: SOBRE A OBRA DE JOZZÉ AGRADECIDO- VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES- *



Foto: GENTILEZA






GENTILEZA É “AMORRR”: SOBRE A OBRA DE JOZZÉ AGRADECIDO


Por: VANDA LÚCIA DA COSTA SALLES



“Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra (JOÃO, 8:43)”




Allienus, em latim significa “ o outro” ( a sociedade) Está alienado, pode-se perder a sensibilidade de intuir, sentir e refletir o fenômeno da vida e do seu momento histórico: essa a grande aventura humana.

Viver é uma dádiva, amar é a ação que pode ser aprendida, compartilhada, cultivada no interior do público e do privado. Bastando pelo desejo amoroso, dotado da atenção e intenção, objetivarem essa arte maior.

Amor é o belo, conceito burguês romantizado. Já “ Amorrr” é a própria arte. É toda sabedoria de que é capaz o espírito em perfeita comunhão com o Cosmo. É o mito original cuja função divina restaura o equilíbrio perdido. É a religiosidade inerente do/no ser. “ Amorrrr”, portanto, é a estética que revolucionará o social. E revolucionará o mundo.

Em seu discurso “ ex-cêntrico” ( voltado para que a massa se perceba povo), Jozzé Agradecido – o Gentileza – pregava a arte como liberdade transgressora, e não o belo. A beleza em suas múltiplas formas; poesia revelada.

(...), porque todos pensaram sempre no belo, que é conceito, e não na arte, que é fenômeno, coisa real, objetiva, e que não só existe sob uma multiplicidade de formas como é, em cada momento, uma e múltipla. (MONTEIRO, 1961, P.20)

Marcando uma singular diferença, busca fazer do seu corpo e alma o foco de atenção do povo. Busca, através da linguagem da imaginação, evidenciar a construção de sua obra de arte; poesia no concreto. Ensina que a arte, enquanto linguagem, pode facilitar a aprendizagem na conscientização de formação de seres poéticos, o que assimilou que “ compreender profundamente a arte é uma atitude de humildade e de amor.” ( op. Cit., 1961, p.23)

Parodiando o modelo, Gentileza recria a via-crucis. Preocupa-se com o efeito que é o estranhamento de toda a sua fala. O leitor/fluidor irá ao modelo, mas já assumindo uma postura crítica. Na repetição, a informação: um homem do povo que se faz divino, um anti-herói apontando o hiato da História, o automatismo dos corpos na paralisação social ( obstado por um período longo de ditadura no país). E a ditadura estabelecida, por comodismo e condicionamento, na prática cotidiana.

No mito do profeta, aquele “ uma fala, que é mensagem” ( BARTHES, 1993, p. 131), Gentileza – o pedagogo das massas – em sua poética do espaço denuncia a crise das relações nas relações insignificativas. Primando por uma revisão dos valores da cultura espiritual e material voltada mais para uma radical mudança da realidade cotidiana. Em seu nonsense busca o sentido para a padronização humana, poetizando a ternura gera o processo do auto-conhecimento para a significação humana: colocação da arte na vida. Recolocando-a no seu espaço de direito: no imaginário popular. Num gesto de carícia, um toque dialetizador da luta entre Liberdade x Opressão. Onde se situaria a sua loucura, quando sabe-se que “ amar o próximo não é mais idealismo “místico” de alguns. Ou aprendemos a nos acariciar, ou liquidaremos com nossa espécie.” ( GAIARSA, apud SHINYASHIKI, 1988, p.11). Seu “ amorrr” – linguagem do inconsciente – verbera e “ a linguagem passa a ser vista como entidade histórica, instrumento de intercomunicação social e de expressão cultural.” ( MARQUES, 1995, p. 350. Reivindica, assim, a originalidade nacional pela linguagem afetiva, humanizada como objeto privilegiado de prazer e saber.

Diz o pregador-poeta; “ Não sou obrigado a nada. Ninguém é obrigado a nada. Só agradecido.” E reinventa a palavra na triplicação das formas, fundamenta uma ética em sua linguagem divina e desvela o ideológico a arquitetar a reestruturação social através da força de sua cantábile. “ Porém, a grandeza das obras de arte consiste unicamente em revelar o que a ideologia oculta. Queiram ou não, sua consecução, seu êxito, supera a falsa consciência.” ( ADORNO, apud CASTRO, 1983, p.27). E o que a ideologia oculta? A dificuldade da humanidade, impedida que está, pela miséria generalizada, de criar um modelo de sabedoria? N negação pela “ parole” que se quer democratizada do modo de ser burguês? Ou da ausência da emoção que funda uma causa: o corpo social fragmentado? O “ amorrrr”, aqui, como no Banquete de Platão, aparece como criador, cujo poder é incomensurável e não se limita a criar; todavia, torna aqueles a quem toca capazes de criar também. “ Amorrr” é a cura. A sua arte busca na sedução do olhar que o leitor/fluidor se aproprie do seu senso crítico – pela curiosidade e atenção à diferença – para que não se torne indiferente à vida, para que possa ler o óbvio, o desvio de rota na qual sofre o povo – vítima da exclusão político- sócio cultural, da violência da classe dominante e dos partidos: a forma de opressão da linguagem e na linguagem, o aprisionamento do corpo através da consciência e da razão desmedida – esse Capeta-capital.


O andarilho do “ Amorrr” peregrina por feiras, cidades, estados, ruas e trilhas levando sua mensagem de paz e de “ amorrr” – arte engajada. Sendo mais, a própria obra de arte – Gentileza – nos convida a compreender que o “ homem só ganha perdendo. Inteiro nunca está em lugar algum.” ( op. Cit.m, 19612, p.11).

Em sua simbologia, Gentileza é São José – o pai do Cristo ( na Terra – e que, silenciado pela autoridade ( do criador), cria uma diferente metodologia de argumentação. E, dentro do mais delirante clima de aparente “loucura” faz propaganda desmistificadora do senso comum. O seu anúncio, autobiográfico, apresenta, dita palavras de ordem: “ Gentileza gera gentileza. Gentileza é amorrr”. Irreverente, às vezes, hilário para alguns céticos pelo ridículo que chama à cena na vida. O divino andarilho segue mostrando-se matéria e espírito, corpo e alma, conclamando o povo para também compreender-se corpo e alma. Portanto, sabe-se que:

“ A partir dos anos 80, ele empreende uma nova fase, inicia os escritos de 55 pilastras do viaduto do Caju, no Rio de Janeiro. A grafia e os signos, já presentes em seu estandes e em placas que realizava, inscrevem-se agora na própria cidade, transformando pilastras em tábuas de seus ensinamentos. (UFF-PROEX, 2002, p.w.2/5).

A preocupação constante, assinalada pela repetição: “ Gentileza gera gentileza. Gentileza é amorrr.” – boa palavra que se faz porta para o Paraíso.

É preciso sabedoria na escolha, os provérbios indicam; “ Nossa cabeça, nosso mestre. “ O guia de si mesmo. A autonomia desejada. “ O mundo é escola.” A universalidade da aprendizagem pela diferença em ser. A palavragestadora da energia vital mudando o destino da humanidade: “ Amorrr” e paz. No relacionar-se, pois “ a História começa com cada um de nós apesar dos reis e das inquisições.” ( SANT ANNA, 1989, P.198).

Preocupado com a Natureza, que é “ amorrr” e Paz, o profeta questiona o espaço. A Terra deve ser de todos os que constroem em harmonia. Reforma Agrária – justiça social. Quer que a imaginação social se invente e o imaginário recoloque o humano no espaço que lhe cabe. Com/vida:
(...)



* IN DIVESIDADES E LOUCURAS EM OBRAS DE ARTE: Um Estudo em Arteterapia, Vanda Lúcia da Costa Salles, RJ:Editora Ágora da Ilha,2002, pp 49 a 52.

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